O inverno.
Chega o dia em que chove pela primeira vez depois de alguns meses de calor, abres a janela e a casa é invadida por aquele cheiro bom de terra molhada. Recordações de infância pululam na tua mente.
Sabes que sentirás para sempre esta sensação, quer tenhas 30, 40, 50 ou 80 anos. E agradeces teres sentido o cheiro da terra quando eras pequena. Agradeces ter brincado no meio dela, teres feito castelos e bolos de terra. Teres chegado a casa suja vezes e vezes sem conta. Teres brincado com o teu irmão no meio da terra. Teres tido o teu primeiro amor de infância na aldeia dos teus avós, e o teu primeiro beijo ter sido atrás de um arbusto, precisamente num dia de final de verão em que cheirava a terra molhada. Agradeces teres essa recordação. Teres tido a oportunidade de viver nesses tempos em que a vida era vivida um dia de cada vez.
Tens saudades, tu sabes que sim, é inevitável. As tuas amigas dizem que é isso que faz de ti alguém com coração. Tu respondes que sim, concordas, mas no fundo sabes que o teu coração já não está no teu peito, ele ficou lá, naquele tempo em que o cheiro a terra molhada era só o marco do final do verão.
Como será a vida sem coração? - pensas. Sabes que estás a viver os primeiros anos do resto da tua vida. Sabes que tudo que virá agora vai roubar-te essas recordações. Em breve esquecerás o nome do padeiro, como jogar à cabra cega, o calor da lareira acendida pelo teu avô, o caminho para o jardim secreto da tua infância, como foi aquele primeiro beijo e a cor dos olhos da tua avó.
Se antes o cheiro de terra molhada significava o final do verão, agora significa o início do inverno. Já não sabes o que é o outono e a primavera, porque só o verão faz sentido para ti. O resto é frio, distância, saudade. É o inverno no teu coração.